Os textos aqui publicados não retratam necessariamente a opinião da entidade, mas a de seus autores.

Sidgrei Antonio Machado Spassini

Advogado e membro da Comissão Especial do Jovem Advogado da OAB/RS
sspassini@gmail.com

No dia 11 de agosto de 1827, foi aprovada, a Carta de Lei, criando o curso de Direito no Brasil. Nessa data, podemos afirmar, que começou a ser escrita a vida da Advocacia brasileira. A tradição jurídica que se sucedeu, ajudou a solidificar as instituições do Estado, as liberdades, garantias e os direitos fundamentais do cidadão brasileiro. O curso de Direito e o exercício da Advocacia, proporcionam um grande leque de conhecimento, não só jurídico, mas extensivo as mais diferentes áreas, tornando o Advogado, um humanista, com ampla formação política, cultural e social.

Muitos acontecimentos históricos pós criação dos cursos de Direito, seja, da abolição da escravatura à proclamação da República, bem como em acontecimentos recentes como o fim da Ditadura e o Impeachment do presidente Collor, foram apoiados pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Nunca houve trincheira democrática em nosso país, sem que na linha de frente ou na retaguarda, estivessem membros da OAB, organização instituída inicialmente para a defesa de uma classe profissional, a OAB ultrapassou as fronteiras, e assumiu a defesa da sociedade brasileira como um todo, até os dias atuais. A história da OAB é permeada pela defesa dos interesses públicos e da justiça social. A democracia brasileira deve muito aos advogados, que lutaram incansavelmente pelas liberdades democráticas, especialmente durante os períodos de autoritarismo.

A advocacia é umas das mais nobres profissões, não queremos colocá-la acima das outras, todas tem seu devido valor, mas por tudo que a advocacia já fez pela democracia e fortalecimento do estado Democrático de Direito, merece destaque e respeito.

Nós advogados, fazemos parte de uma sociedade civil, a maior desse país, que sempre esteve em volta das mais diversas situações. O advogado, jamais pode perder a oportunidade de empunhar a bandeira da dignidade e do grande valor da profissão para a sociedade.

Todavia, não são somente glórias que vivenciamos em nossa profissão. No caso da Advocacia, muitos, ainda, confundem advogado e cliente. O papel do advogado não é acobertar crimes ou apoiar a impunidade, mas pleitear direitos garantidos em Leis, em juízo ou fora dele, garantindo os princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, buscando sempre para o cliente, independente do crime ou ato cometido, um julgamento justo, assegurado pela Constituição Federal de 1988.

O advogado persegue a defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, aliás, a Advocacia é essencial à administração da Justiça, conforme preceitua o Art. 133, da Constituição Federal de 1988. Como em qualquer profissão, em nossos quadros também temos exceções, a exemplo das mais diversas profissões. Jamais poderemos aceitar, que exceções respinguem sobre a imagem de toda a classe, que partilham com os grandes ideais de Justiça e ética.

Outro alvo de críticas desmedidas feitas à Advocacia são as que visam o fim das prerrogativas profissionais, conjunto de direitos que não constituem privilégios do advogado, mas garantias estabelecidas em lei, para que o profissional possa cumprir sua missão constitucional , tendo livre acesso a processos, manter contato com seus clientes presos,falar diretamente ao Juiz,ter garantido o sigilo profissional e a inviolabilidade de seu local de trabalho, conforme Lei 8.906/94, como bem define o Presidente da OAB/SP Luiz Flavio Borges D’Urso. Essas prerrogativas dão sustentação ao próprio Estado Democrático de Direito, aliás, quando a advocacia recua o autoritarismo avança.

Finalizando, destaca-se o ensinamento do pensador francês Diderot, que nós advogados devemos ter sempre em mente, que : “devemos sempre fazer bem e dentro dos limites legais, tudo o que tiver que ser feito,ainda que a causa seja pequena”.

Parabéns a todos os colegas de classe profissional pela passagem do nosso dia.

Os textos aqui publicados não retratam necessariamente a opinião da entidade, mas a de seus autores.

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Claudio Lamachia
Advogado, Presidente da OAB/RS

A defesa da moralidade pública, das liberdades democráticas e da própria cidadania depende da existência de instituições igualmente livres, independentes e cidadãs, agindo de forma harmoniosa e reconhecendo, umas nas outras, a legitimidade que lhes é assegurada pelo sistema constitucional.

Poucas coisas interessam tanto aos delinquentes quanto o enfraquecimento daquelas instituições que combatem a delinquência. Quando tais ataques nascem da vaidade, da falta de compreensão acerca das peculiaridades da democracia, ou pior, da vontade de criar polêmicas espetaculosas, muito mais se alegram aqueles que agem nos desvãos do Direito.

Digo isto para manifestar a surpresa dos integrantes da Ordem dos Advogados do Brasil com os ataques gratuitos dos quais tem sido vítima, vindos não daqueles que sentem-se cerceados no agir criminoso e, sim, de um ou dois integrantes da magistratura, que, através da imprensa, passaram a questionar até mesmo a validade da atuação da OAB na representação dos interesses da sociedade, dizendo com todas as letras que esta entidade tem de restringir-se aos interesses classistas.

Poderíamos pensar que estas manifestações nascem do desconhecimento da norma constitucional que deu à OAB um papel que vai muito além dos interesses classistas, embora estes interesses também tenham inegável importância. Poderíamos pensar também que tais manifestações decorrem da intenção de enfraquecer uma entidade que luta incessantemente pela defesa da cidadania e da Justiça. Ocorre que, sendo magistrados os autores de tais manifestações, nenhuma nem outra destas hipóteses pode ser admissível.

Essa figura, do chamado “fogo amigo”, só seria concebível na sua forma acidental, e em outras guerras. Nesta guerra que a sociedade move contra a corrupção, contra a inércia do estado, contra a insegurança pública, nesta é inadmissível e irresponsável tal proceder.

No mais, quanto aos fundamentos buscados para desmoralizar a OAB, nenhum deles resiste à menor análise técnico-jurídica, fato que aumenta a nossa surpresa, considerando-se a autoria daqueles aludidos textos. Dizer-se que um conselheiro do CNJ oriundo da advocacia é, nas sessões de julgamento, um “advogado maioral”, é um desrespeito não só ao CNJ como à própria lei que o criou. Então, um advogado que se torna conselheiro do CNJ não pode agir, ao julgar, como sendo um conselheiro? Tem que ser visto não como um representante da advocacia, naquele Conselho, e sim como um advogado “pedindo a condenação” ou pedindo a absolvição? Não pode este conselheiro estar simplesmente julgando, já que esta prerrogativa lhe foi dada por lei, quando integra um colegiado de tal natureza?

Ao que parece, estávamos enganados ao pensar que os feudos corporativos eram coisa do passado e que seria possível viver em paz, em uma nação onde fossem abertos os nichos de privilégios. Quando observamos o incômodo que causa a presença da advocacia, como agente de renovação e arejamento, dentro de determinadas instituições públicas, notamos que alguns ainda se sentem atingidos com a perda daquilo que lhes parecia ser uma espécie de “reserva de poder”, e manifestam tal incômodo como se o fizessem em nome de toda uma corporação, quando deveriam assumir que se trata de uma deturpada visão personalista que, certamente, não é ou não poderia ser uma visão do coletivo que integram.

Tais questões nos remetem à triste constatação de que as visões individuais, por vezes revestidas de alta carga de preconceito de classe, ainda são um dos maiores inimigos do Estado de Direito, pois é este o grande fator de desarmonia e desarticulação daquelas forças vivas que, por sua natureza, deveriam estar do mesmo lado da trincheira na luta contra o verdadeiro inimigo, que alguns não conseguem ou não querem enxergar.

Os textos aqui publicados não retratam necessariamente a opinião da entidade, mas a de seus autores.

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Jeferson Dytz Marin

Advogado

jmarin271@hotmail.com

Não é íntegro evocar o conhecimento numa prova de aptidão que traduz o ápice de uma intelectualidade burra, refletida na imposição da lembrança fotográfica da lei, sem qualquer compromisso com o saber crítico e inventivo, verdadeiro esteio do desenvolvimento intelectivo do homem.

A última prova da OAB alcançou o recorde de reprovação do Estado do Rio Grande do Sul. A segunda fase ocorreu no último dia 1 de março. Na primeira fase, dos 4.922 inscritos, apenas 822 foram aprovados, redundando em 83,3% de reprovação, ao menos antes do julgamento dos recursos apresentados.

O problema agrava-se na comparação com os demais Estados que participam do exame unificado, já que o Rio Grande do Sul amarga as últimas colocações. O primeiro colocado nesta etapa do exame foi o Piauí, com índice de aprovação de 33%.

Não há dúvidas que o excesso de cursos interfere no desempenho gaúcho. Hoje, são 34 instituições. Também a insuficiência do ensino primário contribui para o desastre. Basta saber que, segundo o MEC, ao longo de 10 anos, as notas de Língua Portuguesa, disciplina essencial ao Direito, não evoluíram. Enquanto a média de 1995 era de 188,3 (de zero a 500), em 2005 fechou em 172,3.

A remuneração dos professores é outro aspecto decisivo. Enquanto na Coréia do Sul um professor aufere o equivalente a R$ 10.000,00 por mês, no Brasil, é necessário brigar no STF para a fixação de um piso inferior a R$ 1.000,00.

Ademais, das 159 mil escolas que o MEC contabilizava em 2006, apenas 27,4% contam com uma biblioteca, revelando um alarmante desprestígio aos livros, instrumentos educativos por excelência.

Por fim, a queda da qualidade dos cursos de direito coroa o sintoma patológico crescente que a prova da OAB denota. Mas o ponto nevrálgico parece habitar exatamente na natureza do teste e nas formas de aferição do conhecimento eleitas.

Definitivamente, vivemos na era da velocidade e da técnica. Bauman denominou modernidade líquida, face à fluidez da informação. Heidegger, por sua vez, concebeu há muito a fase que o homem alcançaria no século XXI.

A principal razão da sensação de tempo acelerado se dá em face da mudança do conceito de espaço. Ou seja, a comunicação on line afastou a necessidade de se percorrer longas distâncias e trouxe a informação em tempo real.

A prova da OAB, os concursos públicos e os processos seletivos em geral seguem essa lógica estereotipada.

Os certames objetivos cobram um conhecimento calcado na memorização, na presença estática dos artigos de lei, das súmulas dos tribunais e da jurisprudência sintomática.

Não há que se negar a clarividência do estudo jurisprudencial, sem embargo, parece inarredável a ilação de que a capacidade intelectiva exigida pelo exame de aptidão da OAB é robótica, matematizada, voltada às certezas absolutas de Platão. Norte assaz distante do conhecimento verossímel, arrimado na argumentação, que o Direito Moderno reclama.

De fato, faz-se necessário um teste rigoroso aos profissionais de todas as áreas, com o escopo de assegurar a qualidade do mercado, reduzindo os riscos da contratação pelos tomadores dos serviços.

Todavia, a OAB deve alimentar-se do incentivo à dúvida que o coelho provocava em Alice no País das Maravilhas e não na sua velocidade e afã reprodutivo, amantes da informação instantânea, mas desqualificada e sem caráter instigativo.

Claro que o estudante eterno do direito deve aprender a apartar-se do mundo das apetitosas futilidades do cotidiano. Organizar o tempo e selecionar as informações na imensa teia que nos envolve é o primeiro passo para a busca do conhecimento qualificado.

Todavia, enquanto agirmos como coelhos, calcificados pela azáfama dos dias, mergulhados nas demandas crescentes, seremos zumbis, embalsamados num casulo profissional que inuma a individualidade e despersonaliza as relações.

É evidente a existência de informação em abundância, contudo, o crescimento da letargia seletiva blinda o pretenso caráter utilitário da evolução comunicativa.

Os textos aqui publicados não retratam necessariamente a opinião da entidade, mas a de seus autores.

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Rafael Berthold
Advogado

Em uma mesa de bar reúnem-se um médico, um engenheiro e um advogado. Antigos colegas de colégio, eles discutem sobre suas vidas. Em meio a queixas e lamentações, o médico afirma:

– O advogado é que está bem! Quando ganha uma causa grande, entra uma enxurrada de dinheiro!

Como que por cacoete, o advogado contesta:

– Quem dera! Mesmo em causas de milhões, os juízes têm fixado honorários de poucos mil reais! Em algumas causas, colegas recebem honorários de, acreditem, um real!

– Mas e quanto aos honorários contratuais, que vocês combinam com os clientes? – indaga o engenheiro.

O advogado rebate:

– Como cobrar honorários dignos em um mercado tão saturado? Cobrar por consulta é algo a que poucos podem se dar o luxo. Às vezes, quando um cliente se nega a pagar o meu deslocamento para a realização de uma diligência, eu peço para que ele pense quanto o médico dele cobra por uma consulta em domicílio. Diante da resposta, sempre com valores altos, eu digo: ´imagine, então, quanto ele não cobraria para ficar duas horas para você na Receita Federal aguardando sua senha ser chamada! Dele você não se queixa´!

Os interlocutores acham graça, mas o engenheiro explica que sua profissão enfrenta mais dificuldades, pois um mero erro de cálculo pode representar uma tragédia. O médico sustenta que não existe responsabilidade maior do que lidar com a saúde e a vida das pessoas.

E o advogado discorda:

– Há alguém demolindo o prédio enquanto você o constrói? Há alguém desatando os pontos enquanto você sutura? Não! Só na Advocacia há um profissional tão qualificado quanto você tentando destruir o seu trabalho, uma característica que só tem paralelo no pugilismo. Em nossa luta, porém, o árbitro também quer nocautear você. Pelo menos, se toda essa batalha fosse recompensada com uma justiça ágil e de qualidade… Entretanto, a massificação faz com que as sentenças atentem cada vez menos para as particularidades do caso concreto.

– Sim, é a velha teoria dos prédios flutuantes – comenta o engenheiro.

– Mas que teoria é essa? – indaga o causídico.

– É uma brincadeira que fazíamos com o pessoal do Direito, na faculdade. Por exemplo: na Engenharia, se não construo as fundações como devem ser feitas, o prédio cai. Já no Direito, o que o juiz decide é o que vale. Só que muitas vezes as fundações de uma decisão não repousam sobre a firme base da justiça, mas no movediço terreno da vaidade e da prepotência. Se sentenças assim fossem prédios, estes desmoronariam, mas, como no Direito não há como fazer essa aferição, elas se sustentam como prédios flutuantes que, analogicamente, são as situações injustas criadas por decisões formalistas e distanciadas do caso concreto.

– Mas que teoria interessante! Você poderia ser jurista! – exclama o advogado.
– Bem, depois de tudo o que você disse, prefiro a Engenharia… ou o pugilismo – encerra o advogado.

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Antônio Cláudio Mariz de Oliveira

Advogado Criminalista

O Estado de São Paulo, 29.04.2010

Há poucos dias, assistimos estarrecidos à violência cometida contra o advogado Roberto Podval, defensor do casal Nardoni. Com destemor, competência e altivez ele exerceu o sagrado direito de defesa, em nome de acusados que já estavam condenados pela mídia e pela opinião pública. Foi alvo de agressão física e de inúmeras outras de natureza moral, que não o alcançaram por ser ele portador de inatingível dignidade pessoal.

A incompreensão histórica que nos acompanha, e que agora recrudesceu, faz com que os advogados sejam vistos como cúmplices do cliente.

Consideram-nos advogados do crime, e não porta-vozes dos direitos constitucionais e processuais do acusado, que, diga-se, são direitos e garantias de todos e de cada qual. Portanto, violados quaisquer deles num caso concreto, mesmo se tratando de acusado notoriamente culpado, a próxima violação poderá atingir qualquer cidadão, ainda que inocente. Vale repetir à exaustão: nós, advogados, não somos defensores do crime, defendemos a obediência aos direitos e às garantias individuais.

Na atualidade o desprestígio da advocacia atingiu níveis inimagináveis. Pode-se afirmar a ocorrência de algo inédito em nosso país: a advocacia está sendo hostilizada.

Um Estado repressor e policialesco em franca formação, de um lado, e, de outro, uma mídia sedenta de escândalo e tragédia, especializada na teatralização do crime, têm contribuído para a construção de uma imagem negativa da advocacia e, o que é mais grave, têm contribuído para apequenar o próprio direito de defesa. Passou ele a ser considerado como desnecessário, inconveniente, instrumento de chicanas e de ganho para os advogados.

É estranho que a advocacia esteja sendo criticada em aspectos absolutamente comuns a outras profissões, que, no entanto, ficam impunes.

Fala-se que os pobres não podem contratar bons advogados por não poderem pagar os honorários, ficando carentes de assistência jurídica. Admitindo-se como correta a afirmação, também é correto dizer que os pobres são carentes de boa saúde, de adequada educação e de habitação digna. A culpa não é dos advogados, dos médicos ou dos engenheiros, mas sim da trágica desigualdade social que reina no País. Note-se que, no caso da advocacia, os carentes de recursos são assistidos ou pelos não poucos advogados que lhes atendem gratuitamente, ou pelos que, conveniados pelo Estado, lhes prestam assistência e recebem irrisórios honorários do Estado, ou ainda pelos competentes e dedicados defensores públicos.

Verbera-se, ainda, que advogados cobram honorários elevados. Trata-se de uma assertiva que, se verdadeira, não pode ser generalizada, pois a maioria esmagadora dos profissionais (200 mil só em São Paulo) enfrenta grandes dificuldades no mercado de trabalho. De qualquer forma, ela causa espécie. A contratação de honorários é ato bilateral – há quem cobre e há quem aceite e pague. Qual o motivo de estranheza ou de crítica? Para uma sociedade que supervaloriza o ganhar e o ter, em detrimento do ser, tal observação é ridícula, para não dizer hipócrita. Podem ganhar os jogadores de futebol, os artistas, os grandes médicos, cirurgiões plásticos, os arquitetos e decoradores, os empresários, os banqueiros, os jornalistas e apresentadores de TV, etc., etc. No entanto, dos advogados se parece querer exigir trabalho não remunerado.

Antes mesmo de o Estado se organizar tal como o conhecemos hoje havia aqueles que “eram chamados” para emprestar a sua voz – os chamados “boqueiros” – em prol dos que careciam de defesa. É verdade o que se diz: o primeiro advogado foi o primeiro homem que com a sua palavra defendeu um semelhante contra uma injustiça. Sempre fomos e seremos os “boqueiros” daqueles que não têm voz e não têm vez.

Qualquer cidadão, inocente ou culpado, ou titular de uma pretensão, procedente ou improcedente, tem o direito de recorrer ao Poder Judiciário para se defender e para deduzir a sua postulação. E nós, advogados, somos os agentes do exercício desses direitos perante quaisquer juízos e tribunais, pois exercemos com exclusividade a chamada capacidade postulatória. Somente nós, advogados, temos o poder de movimentar o Judiciário, que é originariamente inerte. No juízo criminal exercemos o direito de defesa, sem o qual o processo nem sequer pode ser instaurado. Somos, pois, o elo entre o povo e a Justiça.

A propósito da defesa no processo penal, mesmo os mais furiosos adeptos de punição contra os acusados deveriam respeitar e defender o direito de defesa, pois sem ele os seus instintos sanguinários nunca poderiam ser satisfeitos, a não ser pela vingança privada.

Nos momentos de ruptura institucional ou de obscurantismo social, os advogados sempre foram desrespeitados e agredidos. Napoleão Bonaparte desejou cortar a língua dos advogados. Durante a Revolução Francesa, Robespierre e o promotor Fouquier-Tinville impediram a atuação dos advogados na defesa dos acusados. Em menos de uma semana houve mais de mil condenações e decapitações. E, durante a Revolução, Malesherbes e Nicolas Barrier foram guilhotinados por exercerem a defesa.

A história recente do Brasil registra a heroica epopeia dos advogados que se opuseram com rara coragem e desprendimento às ditaduras getulista e militar.

Não estamos vivendo hoje um período de ruptura institucional, mas atravessamos triste período de verdadeiro obscurantismo, representado por uma cultura repressiva que se instalou no seio da sociedade e que reflete a intolerância raivosa, a insensatez, o ódio e o desejo de expiação e de vingança. Tais sentimentos não raras vezes atingem a advocacia.

Embora o caminhar seja árduo, e sempre o foi, continuaremos a seguir a nossa saga. Continuaremos a exercer o nosso glorioso ministério de postular pelo direito e pelo justo em nome de terceiros, em benefício da cidadania e da democracia.

Os textos aqui publicados não retratam necessariamente a opinião da entidade, mas a de seus autores.

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Michelle de Freitas e Eduardo Berttollo

Advogados
freitas_berttollo@yahoo.com.br

São crescentes o anseio e o trabalho para a diminuição dos litígios judiciais. O Poder Judiciário, em todas as suas instâncias e especialidades, dá exemplo com a conhecida Semana Nacional pela Conciliação. O Conselho Nacional de Justiça – CNJ, em suas deliberações, e os Poderes da República, através do II Pacto Republicano, instituíram metas e mecanismos para planejamento e viabilização de atividades conciliatórias, objetivando prevenir e garantir agilidade na resolução de conflitos.

Outras medidas buscam evitar que questões cheguem ao Poder Judiciário. Bom exemplo é o sistema de mediação e arbitragem, criado por legislação federal. Seu funcionamento é privado e as partes são voluntariamente conduzidas por mediadores ou árbitros à melhor e mais rápida solução para os problemas. As decisões tomadas possuem força legal e são facilmente exequíveis.

Neste importante cenário de transformações, reside o Advogado como o mais importante ator. É ele quem tem o primeiro contato com o problema e é ele quem desenhará e aconselhará na opção pelo caminho a ser tomado. Daí ser verdadeira a máxima: o Advogado é o primeiro Juiz da causa. É o profissional habilitado a procurar a mais razoável solução. Tem ele o dever de bem conhecer o cenário em que está inserido o problema, e o dever de utilizar os mais adequados mecanismos.

João Otávio de Noronha, Ministro do Superior Tribunal de Justiça – STJ, durante sua exposição na XVII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (1999), ressaltou a importância da competência do Advogado nas atividades extrajudiciais. Desde a década de 1980, o perfil do profissional vem mudando. Antes só bom e seletivo peticionador e orador, o Advogado de hoje tem efetivo e crescente papel na segura tomada de decisões, principalmente em respaldo ao Empresário ou Investidor. Respondendo a consultas, analisando contratos e formando negócios, o profissional precisa estar inserido num mundo de múltiplas competências e ciências, modo a conhecer e entender as reais necessidades do Cliente, do ambiente corporativo e do competitivo mercado nacional e internacional.

Nas palavras do mencionado Ministro, o Advogado de hoje deve criar soluções. Não daquelas simples que se encontram escritas nos Códigos, mas soluções estratégicas, negociais, responsáveis, para melhor operacionalização do Empreendimento e sua rentabilidade. O Advogado não pode mais posicionar-se ao longe, analisar e deter-se a dar respostas positivas ou negativas. Deve ele ser parceiro do Cliente, ser criativo, proativo, e viabilizar os negócios juridicamente recomendáveis.

É visto que cada vez menos o Advogado deve preocupar-se, ocupar-se e apressar-se em ajuizar ações. Todo processo judicial é custoso e estressante. O Advogado ideal prefere buscar alternativas à jurisdição. Assim, são mais adequados os caminhos da negociação e da construção de soluções.

Está no Estatuto do Advogado e da OAB que são atividades privativas da classe a consultoria, assessoria e direção jurídicas. Todas elas funções extrajudiciais. É o profissional da advocacia, portanto, o único capacitado a evitar a judicialização de questões. E na busca deste ideal, de anulação do contencioso, encontramos uma importante ferramenta: o modelo da assessoria jurídica preventiva.

A assessoria legal preventiva tem seu embrião nos ensaios do estadunidense Louis M. Brown, que desenvolveu uma série de técnicas para o que chamou de preventive law. Pelas lições daquele estudioso, deve-se adotar um sistema de neutralização de rivalidade de interesses (non-adversarial landscape) através de práticas voltadas à prevenção de conflitos (prevention-oriented lawyering). Com a assessoria preventiva busca-se evitar a litigância mediante planos de ação e antecipação.

Em suma, a advocacia preventiva antecipa e previne problemas legais e processos judiciais em uma ampla gama de áreas, especialmente na Empresarial, onde as relações são mais complexas e profícuas. Por meio da preventive law avaliam-se implicações jurídicas de contratos e de todas as relações negociais do Empreendimento. O Advogado revela os riscos legais das situações presentes e futuras, recomendando e antecipando ações.

A assessoria jurídica exercida com atenção à preventive law, reúne práticas defensivas e proativas. É defensiva quando procura alertar o Cliente antecipando riscos legais. É proativa na medida em que se esforça para aumentar as oportunidades legais e negociais do Cliente. É planejamento cuidadoso para evitar litígios, e uma atividade atenta a exploração de oportunidades rentáveis.

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Rafael Berthold

Advogado

rafael@seb.adv.br

Espaço Vital Virtual, 21.05.2010

Desajeitado, o magistrado Dr. Juílson tentava equilibrar em suas as mãos, a cuia, a térmica, um pacotinho de biscoitos, e uma pasta de documentos.

Com toda esta tralha, dirigir-se-ia para seu gabinete, mas ao dar meia volta deparou-se com sua esposa, a advogada Dra. Themis, que já o observava há sabe-se lá quantos minutos. O susto foi tal que cuia, erva e documentos foram ao chão. O juiz franziu o cenho e estava pronto para praguejar, quando observou que a testa da mulher era ainda mais franzida que a sua.

Por se tratarem de dois juristas experientes, não é estranho que o diálogo litigioso que se instaurava obedecesse aos mais altos padrões de erudição processual.

– Juílson! Eu não agüento mais essa sua inércia. Eu estou carente, carente de ação, entende?

– Carente de ação? Ora, você sabe muito bem que, para sair da inércia, o Juízo precisa ser provocado e você não me provoca, há anos. Já eu dificilmente inicio um processo sem que haja contestação.

– Claro, você preferia que o processo corresse à revelia. Mas não adianta, tem que haver o exame das preliminares, antes de entrar no mérito. E mais, com você o rito é sempre sumaríssimo, isso quando a lide não fica pendente… Daí é que a execução fica frustrada.

– Calma aí, agora você está apelando. Eu já disse que não quero acordar o apenso, no quarto ao lado. Já é muito difícil colocá-lo para dormir. Quanto ao rito sumaríssimo, é que eu prezo a economia processual e detesto a morosidade. Além disso, às vezes até uma cautelar pode ser satisfativa.

– Sim, mas pra isso é preciso que se usem alguns recursos especiais. Teus recursos são sempre desertos, por absoluta ausência de preparo.

– Ah, mas quando eu tento manejar o recurso extraordinário você sempre nega seguimento. Fala dos meus recursos, mas impugna todas as minhas tentativas de inovação processual. Isso quando não embarga a execução.

Mas existia um fundo de verdade nos argumentos da Dra. Themis. E o Dr. Juílson só se recusava a aceitar a culpa exclusiva pela crise do relacionamento. Por isso, complementou:

– Acho que o pedido procede, em parte, pois pelo que vejo existem culpas concorrentes. Já que ambos somos sucumbentes vamos nos dar por reciprocamente quitados e compor amigavelmente o litígio.

– Não posso. Agora existem terceiros interessados. E já houve a preclusão consumativa.

– Meu Deus! Mas de minha parte não havia sequer suspeição!

– Sim. Há muito que sua cognição não é exauriente. Aliás, nossa relação está extinta. Só vim pegar o apenso em carga e fazer remessa para a casa da minha mãe.

E ao ver a mulher bater a porta atrás de si, Dr. Juílson fica tentando compreender tudo o que havia acontecido. Após deliberar por alguns minutos, chegou a uma triste conclusão:

– E eu é que vou ter que pagar as custas…

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Sidgrei Antonio Machado Spassini

Advogado

sspassini@gmail.com

A recente notícia publicada, dando conta do falecimento de um consumidor, dias após ter uma grave crise de hipertensão, sofrendo infarte, tudo isso após ficar 45 minutos com o inoperante “call center” de uma famosa operadora de telefonia, recordista em processos judiciais e reclamações nos órgãos de defesa do consumidor, trouxe a baila uma prática comumente adotada por essas empresas.

A questão de angústia e sofrimento vivenciada pelo consumidor não é única, talvez o evento morte tenha sido o primeiro, agora crises de hipertensão, de estresse, creio que diversos outros já tiveram, principalmente ao tentarem o cancelamento de serviços não contratados e inseridos abusivamente pela empresa Brasil Telecom nas faturas mensais de telefone.

Basta uma simples pesquisa via Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul para verificarmos que a prática de inserir serviços não contratados nas contas dos clientes é habitual, gerando inúmeros processos, tendo em vista, que o cancelamento via call center, na maioria das vezes não é possível, e quando possível, a devolução de valores, atinge apenas os últimos 03 meses da cobrança indevida, compensando em favor da ré economicamente.

A decisão do Relator do caso, Juiz Carlos Eduardo Richinitti demonstra com uma clareza a situação vivenciada por milhares de pessoas, narrando que : “o desgaste e o descaso relatado que acontece com milhares de pessoas todos os dias envolvendo a Brasil Telecom e outras empresas de grande porte, que dispensam a seus clientes um atendimento que só é bom, atencioso e exemplar no momento da contratação e que gera, sim, indignação a qualquer um que tenha o dissabor de tentar um contato para solucionar eventual problema advindo da relação continuada”.

Em um outro processo, nº 71000984625, caso idêntico de cobranças indevidas, o mesmo Magistrado definiu com muita precisão que : “A situação exposta nestes autos é uma das tantas que envolvem o absoluto desrespeito que grandes empresas, como a requerida, têm para com seus consumidores”.

As atitudes das empresas de telefonia demonstram a conduta ilícita adotada para obter vantagem, lançando na fatura dos clientes cobrança de serviços não autorizados e tampouco utilizados. ( presenciamos o caso de uma consumidora de 92 anos ser cobrada por “internet turbo” sem possuir computador em sua residência e ao longo de sua vida, tampouco visto a maravilha tecnológica).

Diz o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 39, que “É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (Redação dada ao “caput” pela Lei 8.884/94)” e no inciso III, “enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço”.

No mesmo sentido a legislação especial do serviço telefônico também é mortalmente desconsiderada por empresas do setor. A Lei 9.472/97 dispõe sobre o serviço de telecomunicações, preconizando no seu artigo 5º, a necessidade de observação do princípio constitucional da defesa do consumidor, que diz: “Na disciplina das relações econômicas no setor de telecomunicações observar-se-ão, em especial, os princípios constitucionais da soberania nacional, função social da propriedade, liberdade de iniciativa, livre concorrência, defesa do consumidor, redução das desigualdades regionais e sociais, repressão ao abuso do poder econômico e continuidade do serviço prestado no regime público”.

O Regulamento do Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC), mais precisamente no artigo 12, exige claramente o prévio conhecimento do consumidor/usuário de qualquer alteração nas condições de prestação do serviço e proíbe expressamente a prestação de serviço não solicitado e cobrado indevidamente , in verbis: “Artigo 12. O usuário do STFC tem direito: VI – ao conhecimento prévio de toda e qualquer alteração nas condições de prestação do serviço que lhe atinja direta ou indiretamente;

XVII – a não ser obrigado ou induzido a consumir serviços ou a adquirir bens ou equipamentos que não sejam de seu interesse, bem como a não se compelido a se submeter a condição para recebimento do serviço, nos termos da regulamentação.

Já o artigo 38 desse regulamento proíbe que as operadoras induzam os usuários a consumir seus serviços sem que os tenham solicitado: “A prestadora não pode obrigar ou induzir o usuário a consumir serviços ou facilidades oferecidas por seu intermédio ou a adquirir bens ou equipamentos que não sejam de seu interesse, bem como a compelir ou submeter o usuário a condição para o recebimento do STFC.”

O Tribunal de Justiça e as Turmas Recursais do Rio Grande do Sul, atentos às ilegalidades cometidas pelas empresas de telefonia, vêm reconhecendo a prática abusiva de empresas que cobram por serviços não solicitados pelos consumidores, condenando-as a devolverem em dobro os valores cobrados indevidamente nos últimos 05 anos e mais dano moral com caráter punitivo e dissuasório por violação ao Código de Defesa do Consumidor, valor esse que reverterá ao usuário.

Todavia, nota-se que as decisões s judiciais não estão atingindo economicamente as empresas de Telefonia.

As indenizações por cobrança indevida têm ficado em valores módicos, mais devoluções em dobro dos valores indevidamente cobrados, o que nos leva a crer que as empresas de telefonia, possuem um faturamento imenso com essa prática abusiva, tendo em vista, que a grande maioria da massa consumidora não ingressa judicialmente, mesmo sendo lesada.

Contudo, creio que a decisão proferida pelo Juiz Carlos Eduardo Richinitti possa dar novos horizontes aos milhares de consumidores que são lesados e não conseguem via call center cancelar os malditos “serviços inteligentes, franquia de minutos, seguros, siga-me, teleconferência e etc.”.

Os textos aqui publicados não retratam necessariamente a opinião da entidade, mas a de seus autores.

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Entrevista do presidente da OAB/RS, Claudio Lamachia, ao portal jurídico Consultor Jurídico – Conjur

A Amatra [Associação dos Magistrados do Trabalho do Rio Grande do Sul] deveria reivindicar o poder/dever dos magistrados de cumprir com a lei e exercer dentro desta os atos de sua competência”, disparou hoje o presidente da seccional gaúcha da Ordem dos Advogados do Brasil, Cláudio Lamachia, em mais um lance de sua queda de braço com a instituição da magistratura. O pivô da discórdia é o entendimento diverso sobre a cobrança dos honorários advocatícios na seara trabalhista.

Alguns juízes do Trabalho não permitem que os advogados cobrem honorários de clientes que receberam assistência judiciária gratuita. E a OAB não admite que os juízes se imiscuam nessa relação, alegando desrespeito a direitos constitucionais de liberdade, previstos no artigo 5º da Constituição Federal, e às regras estipuladas pela Emenda Constitucional 45.

Não se trata de dupla cobrança e, sim, de uma cobrança única formada por valores que possuem mais de uma procedência – honorários contratuais e de Assistência Judiciária”, defende-se o presidente da OAB-RS. Lamachia tem atuado fortemente na defesa das prerrogativas dos advogados e em pactuar livremente os honorários com sua clientela, rechaçando toda e qualquer interferência do Judiciário. Para ele, revisão de honorários não é matéria sujeita a exame da Justiça do Trabalho. Se o assunto for provocado, a jurisdição seria da Justiça estadual.

Para manifestar sua inconformidade, no dia 21 de agosto, a entidade lançou uma Nota de Repúdio e Conclamação, criticando os juízes. “A pretexto de limitar e pretensamente corrigir pactuações de natureza privada, entre clientes e advogados (mesmo onde não haja comprovados vícios de manifestação de vontade), têm surgido iniciativas judiciais autocráticas, denotadoras de abuso de autoridade”, criticou a OAB gaúcha.

A provocação não ficou sem resposta. No dia 23 de agosto, o presidente da Amatra, Daniel Souza de Nonohay, subscreveu uma Nota Pública criticando a postura de confronto da entidade dos advogados. “Nos recusamos a fazer coro às adjetivações que desqualificam o debate e em nada contribuem para a superação madura e serena das divergências”, rebateu.

Nesta entrevista concedida à revista Consultor Jurídico, Lamachia dá sequência à polêmica e responde ao presidente da Amatra, que foi ouvido na edição de 15 de setembro.

Leia a Entrevista:

ConJur – Em entrevista à ConJur, o presidente da Amatra do Rio Grande do Sul defendeu a liberdade dos juízes de decidirem sobre honorários e reclamou da pressão institucional da OAB. Foi uma resposta à nota anterior emitida pela OAB. O Senhor tomou conhecimento dos termos da nota? Qual sua avaliação?

Claudio Lamachia — Sim, li a nota. O primeiro aspecto que chama a atenção é a reivindicação de uma liberdade de decidir, como se isso pudesse admitir alguma subjetividade. Na verdade, estamos tratando de poderes de um ente estatal, que é a Justiça, e esta não comporta adequações nos limites da sua liberdade de atuar, visto que deve pautar-se sempre pelos estritos termos de sua competência legal e, especialmente, constitucional. Desse modo, parece-nos que a discussão não foi devidamente encaminhada, pois a Amatra deveria, isto sim, reivindicar o poder/dever dos magistrados de cumprir com a lei e exercer dentro desta os atos de sua competência.

ConJur – Vamos esclarecer melhor a questão. O artigo 22 do Estatuto da OAB diz que os advogados têm direito aos honorários convencionados de comum acordo com seus clientes, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência. O parágrafo 1º deste artigo informa que quando o advogado for patrocinar pessoa necessitada, em caso de não haver Defensoria Pública na cidade, ele terá os honorários fixados pelo juiz, segundo tabela da OAB e pagos pelo estado. Como o dispositivo estatutário não diz que o advogado “somente” terá direito aos honorários fixados pelo juiz no caso concreto, aquele profissional credenciado por sindicato de trabalhadores poderia, por óbvio, receber seus honorários de duas rubricas? É essa a linha da OAB? É assim que funciona na Justiça do Trabalho gaúcha?

Claudio Lamachia — Sim, esta é a linha da OAB, conforme decisão unânime de seu Órgão Especial. Basicamente, existe uma tabela de honorários estabelecendo limites mínimos e máximos para patrocínio de ações trabalhistas. Tais limites podem ser atingidos com a soma de honorários contratuais e honorários de AJ (assistência judiciária gratuita). Neste caso, o trabalhador será beneficiado por não ter que arcar com a íntegra dos honorários contratuais, visto que na composição do acerto da verba honorária haverá a inclusão dos honorários de AJ, o que representará uma vantagem para o demandante.

ConJur – Isso nunca deu margem a reclamações contra sindicatos ou advogados na OAB, por eventuais discordâncias ou abusos?

Claudio Lamachia — A OAB é uma entidade com mais de 80 anos de existência. É claro que discussões acerca de valores de honorários já foram objeto de representações e estas, quando foi o caso, resultaram em condenação administrativa. No entanto, o que estamos tratando atualmente diz respeito a uma situação que a OAB não entende como ilícita ou irregular. Qual seja, a soma de honorários contratuais com honorários de AJ para atingir percentuais admitidos pela tabela de honorários da classe. A reclamação que importa, no momento, é outra: é a formulada pela própria OAB frente à intromissão da Justiça do Trabalho em pactuações de natureza civil, entre profissionais liberais e clientes, o que, nunca é demais repetir, constitui matéria de alçada da Justiça estadual.

ConJur – Em ambas as notas, fica patente que alguns juízes do Trabalho não concordam com a prática e têm se insurgido contra ela. Entendem que o advogado não pode cobrar honorários de alguém que não tem condições de pagar sequer as custas ou perícias no processo, já que beneficiário da assistência judiciária gratuita (Lei 5.584/1970). Como o trabalhador ainda é considerado um hipossuficiente, essa situação não colocaria o juiz num dilema moral, já que ele tem a prerrogativa de criar uma fração destes honorários?

Claudio Lamachia — Não temos dúvida a respeito de dois aspectos: primeiro, a prática é lícita, desde que a soma dos honorários contratuais e de AJ não ultrapasse os limites definidos pela OAB. Segundo, isso não é matéria sujeita a exame da Justiça do Trabalho, à luz da Constituição Federal vigente e dos termos da Emenda Constitucional 45, de 2004. Por outro lado, o fato de o trabalhador ser hipossuficiente não o dispensa de uma série de despesas, como, por exemplo, contribuições fiscais e contribuições previdenciárias, que revertem para órgãos estatais. O fundamento disso é o mesmo que autoriza o pagamento de parte dos honorários de seu advogado; ou seja, o fato de ter havido um ganho pecuniário em decorrência de uma ação. Dizer que juiz fica diante de um dilema moral pelo fato de serem deferidos honorários a outro trabalhador, que é o advogado, constitui um paradoxo, pois, curiosamente, esse dilema não surge, por exemplo, no momento de determinar o desconto de Imposto de Renda do trabalhador hipossuficiente, em favor da União; ou o desconto das contribuições previdenciárias em favor do INSS. Como se vê, a hipossuficiência não afasta uma série de obrigações pecuniárias do trabalhador vencedor na ação. Por que razão esta mesma hipossuficiência – atenuada pelo ganho pecuniário na ação – deveria ser motivo para que o advogado não perceba a justa retribuição pelo seu trabalho?

ConJur – Avançando mais um pouco nesta linha: até onde pode ir o juiz do Trabalho em sua prerrogativa de influir nos honorários, sem que caia em ilegalidades ou se imiscua indevidamente numa relação de particulares? Além do Estatuto do Advogado, que princípio constitucional ou normativo estaria ferindo?

Claudio Lamachia — A questão é bem objetiva: o juiz do Trabalho não pode interferir em contratos civis entre profissionais liberais e seus clientes. Em o fazendo, incide, sim, em ilegalidade. A extinção de um contrato entre particulares, quando não verse tal contrato acerca de uma relação de emprego é, em regra, matéria para apreciação da justiça civil, quando devidamente provocada. Do contrário, o julgador estará ferindo a norma constitucional, em diversos de seus dispositivos. Poderíamos citar, desde já, os direitos constitucionais de liberdade — em especial os previstos no artigo 5º da Constituição Federal –, bem como as regras de competência determinadas pela Emenda Constitucional 45, como já mencionado.

ConJur —A OAB pensa em tomar uma atitude legal ou correicional contra juízes que se insurgem contra a dupla cobrança?

Claudio Lamachia — Não se trata de dupla cobrança, e sim de uma cobrança única formada por valores que possuem mais de uma procedência — honorários contratuais e de AJ. Existem aspectos legais relativos à intromissão do Judiciário nestas questões e que podem ser suscitados dentro dos próprios processos, por meio de recursos. No entanto, em diversas situações, inexiste esta possibilidade, pela forma como procedem alguns juízes, simplesmente impondo a renúncia de cobrança de honorários contratuais, diante do deferimento de AJ, sob pena de não homologação de acordos. Pior ainda, inserindo-se em tais acordos — como se fosse uma cláusula livremente pactuada — a afirmação de que não serão cobrados honorários contratuais. Nesses casos, inexistem meios ordinários para atacar o procedimento ilícito, razão pela qual a OAB está estudando medidas corretivas que podem ser, algumas dessas, sugeridas na sua pergunta.

ConJur — Desde que a OAB lançou sua nota conclamando os advogados a denunciar interferência nos seus honorários, há um mês, tem ocorrido incidentes em audiências?

Claudio Lamachia — A OAB não foi comunicada de novos incidentes a partir da referida nota.

ConJur — A OAB está acompanhando os movimentos do Ministério Público do Trabalho, que, no início de agosto, pediu aos advogados de Pelotas que se abstenham de cobrar honorários cumulativos? Foi procurada para conversar sobre um Termo de Ajuste de Conduta?

Claudio Lamachia — Vale para o Ministério Público do Trabalho o que já foi dito, acerca do dever de observância de sua competência material, com relação aos juízes. Tais procedimentos deverão ser examinados pela OAB-RS com idênticos critérios com que vem examinando a atuação dos juízes em relação à mesma matéria. A OAB-RS não foi procurada para conversar sobre um Termo de Ajuste de Conduta sobre tal assunto. Mesmo porque, genericamente, não há conduta a ser ajustada, salvo se houver cobrança fora dos limites permitidos pelas regras deontológicas da entidade.

*Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.

Fonte: OAB/RS

Os textos aqui publicados não retratam necessariamente a opinião da entidade, mas a de seus autores.

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Getulio Lucas de Abreu

Advogado

glajuridico@italnet.com.br

A matéria de capa veiculada no Semanário na edição de 14.04.2.010, enfocando os questionamentos na Câmara de Vereadores sobre a freqüente ausência de licitações no âmbito do Poder Executivo local, é uma ótima oportunidade para que este relevante tema das licitações e contratos administrativos seja debatido com a transparência que merece. Por oportuno convém lembrar que a Constituição Federal de 1988 de modo inovador, ao menos em relação às anteriores constituições da República, dentro do Título III – Da Organização do Estado (arts. 18 a 43), abre o capítulo VII especificamente para tratar Da Administração Pública, artigos 37 a 43. Cabe observar aqui que a feição fundamental da organização do Estado brasileiro é dada pela sua estrutura federativa, da qual resultam três esferas de governo, todas dotadas de capacidade política e administrativa. É o que se pode extrair da leitura do art. 18 da CF/88, no capítulo I, que trata da ‘Organização Político-Administrativa’.

“Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição”.
Tudo isto para deixar plenamente claro que a administração pública, seja ela federal, estadual ou municipal deve obediência à Constituição e ao ordenamento legal infraconstitucional. Assim, a Lei Federal n° 8.666, de 21 de junho de 1993 regulamenta o art. 37, inciso XXI da Constituição Federal, justamente no campo das licitações e contratos administrativos. Desse modo, fazer ou deixar de fazer uma licitação quando for para adquirir bens e serviços para a administração pública NÃO é um ato de mera liberalidade do administrador. Convém não olvidar que a administração de todos os Poderes está submetida a este regramento.

Diante deste quadro, efetivamente é de nenhuma necessidade qualquer legislação municipal para compelir o administrador público local proceder licitação quando for realizar obras; adquirir serviços, inclusive de publicidade ou quando for comprar bens materiais, alienar bens do patrimônio público ou proceder à locação para o seu uso próprio. Aliás, para ser mais claro, a Câmara Municipal não tem competência para legislar sobre esta matéria, a qual está inserida entre as competências privativas da União, conforme o disposto no inciso XXVII, do art. 21 da constituição Federal que ali diz ser competência privativa da União legislar sobre “normas gerais de licitação e contratos, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas, e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no at. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, §, 1º, III”.
Não estando a matéria inserida entre as competências do Legislativo Municipal, qualquer iniciativa neste campo é matéria que realmente não pode ser apreciada pela Câmara. Contudo, não se diga que não devem os Vereadores se preocupar com o assunto. Pelo contrário, devem e muito, sob pena de não estarem cumprindo com as suas atribuições.

Vem também do ordenamento constitucional as atribuições do Poder Legislativo, sempre lembrando o artigo 2º da Constituição onde está escrito que os Poderes da União são o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, independentes e harmônicos entre si e como se sabe nem sempre tão independentes e também nem tanto harmônicos.

Então, sabem os Senhores Vereadores que a sua função básica é fiscalizar os atos da administração pública, onde se inclui inclusive os atos da administração do próprio Poder Legislativo. Cabe aqui o alerta para a inovação do art. 37 da Constituição Federal que inclui entre os princípios básicos a que a administração pública está submetida o princípio da eficiência e este princípio é para os italianos conhecido como “dever de boa administração” e que impõe à Administração Pública direta e indireta a obrigação de realizar suas atribuições com rapidez, perfeição e rendimento. Aprofundando a compreensão desta questão, cabe aqui o destaque para o ensinamento de Diógenes Gasparini, chamando atenção para a aplicação do princípio da eficiência, que bem pode ser seguido pelos Senhores Vereadores, na fiscalização dos atos da administração pública:

“As atribuições devem ser executadas com perfeição, valendo-se das técnicas e conhecimentos necessários a tornar a execução a melhor possível, evitando a sua repetição e reclamos por parte dos administrados. Ademais, a realização cuidadosa das atribuições evita desperdício de tempo e de dinheiro públicos, tão necessários na época atual. Por fim, tais competências devem ser praticadas com rendimento, Isto é, com resultados positivos para o serviço público e satisfatório para o interesse da coletividade.”

Para concluir, talvez não seja demasia lembrar o art. 41 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Européia (Nice, 2002), que proclama o “direito a uma boa administração”. Aqui entre nós o notável Professor Juarez Freitas guinda o este principio à categoria de direito fundamental. Por certo que não é evitando realizar licitações que nossos administradores estarão cumprindo com estes mandamentos!

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