Os textos aqui publicados não retratam necessariamente a opinião da entidade, mas a de seus autores.

Entrevista do presidente da OAB/RS, Claudio Lamachia, ao portal jurídico Consultor Jurídico – Conjur

A Amatra [Associação dos Magistrados do Trabalho do Rio Grande do Sul] deveria reivindicar o poder/dever dos magistrados de cumprir com a lei e exercer dentro desta os atos de sua competência”, disparou hoje o presidente da seccional gaúcha da Ordem dos Advogados do Brasil, Cláudio Lamachia, em mais um lance de sua queda de braço com a instituição da magistratura. O pivô da discórdia é o entendimento diverso sobre a cobrança dos honorários advocatícios na seara trabalhista.

Alguns juízes do Trabalho não permitem que os advogados cobrem honorários de clientes que receberam assistência judiciária gratuita. E a OAB não admite que os juízes se imiscuam nessa relação, alegando desrespeito a direitos constitucionais de liberdade, previstos no artigo 5º da Constituição Federal, e às regras estipuladas pela Emenda Constitucional 45.

Não se trata de dupla cobrança e, sim, de uma cobrança única formada por valores que possuem mais de uma procedência – honorários contratuais e de Assistência Judiciária”, defende-se o presidente da OAB-RS. Lamachia tem atuado fortemente na defesa das prerrogativas dos advogados e em pactuar livremente os honorários com sua clientela, rechaçando toda e qualquer interferência do Judiciário. Para ele, revisão de honorários não é matéria sujeita a exame da Justiça do Trabalho. Se o assunto for provocado, a jurisdição seria da Justiça estadual.

Para manifestar sua inconformidade, no dia 21 de agosto, a entidade lançou uma Nota de Repúdio e Conclamação, criticando os juízes. “A pretexto de limitar e pretensamente corrigir pactuações de natureza privada, entre clientes e advogados (mesmo onde não haja comprovados vícios de manifestação de vontade), têm surgido iniciativas judiciais autocráticas, denotadoras de abuso de autoridade”, criticou a OAB gaúcha.

A provocação não ficou sem resposta. No dia 23 de agosto, o presidente da Amatra, Daniel Souza de Nonohay, subscreveu uma Nota Pública criticando a postura de confronto da entidade dos advogados. “Nos recusamos a fazer coro às adjetivações que desqualificam o debate e em nada contribuem para a superação madura e serena das divergências”, rebateu.

Nesta entrevista concedida à revista Consultor Jurídico, Lamachia dá sequência à polêmica e responde ao presidente da Amatra, que foi ouvido na edição de 15 de setembro.

Leia a Entrevista:

ConJur – Em entrevista à ConJur, o presidente da Amatra do Rio Grande do Sul defendeu a liberdade dos juízes de decidirem sobre honorários e reclamou da pressão institucional da OAB. Foi uma resposta à nota anterior emitida pela OAB. O Senhor tomou conhecimento dos termos da nota? Qual sua avaliação?

Claudio Lamachia — Sim, li a nota. O primeiro aspecto que chama a atenção é a reivindicação de uma liberdade de decidir, como se isso pudesse admitir alguma subjetividade. Na verdade, estamos tratando de poderes de um ente estatal, que é a Justiça, e esta não comporta adequações nos limites da sua liberdade de atuar, visto que deve pautar-se sempre pelos estritos termos de sua competência legal e, especialmente, constitucional. Desse modo, parece-nos que a discussão não foi devidamente encaminhada, pois a Amatra deveria, isto sim, reivindicar o poder/dever dos magistrados de cumprir com a lei e exercer dentro desta os atos de sua competência.

ConJur – Vamos esclarecer melhor a questão. O artigo 22 do Estatuto da OAB diz que os advogados têm direito aos honorários convencionados de comum acordo com seus clientes, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência. O parágrafo 1º deste artigo informa que quando o advogado for patrocinar pessoa necessitada, em caso de não haver Defensoria Pública na cidade, ele terá os honorários fixados pelo juiz, segundo tabela da OAB e pagos pelo estado. Como o dispositivo estatutário não diz que o advogado “somente” terá direito aos honorários fixados pelo juiz no caso concreto, aquele profissional credenciado por sindicato de trabalhadores poderia, por óbvio, receber seus honorários de duas rubricas? É essa a linha da OAB? É assim que funciona na Justiça do Trabalho gaúcha?

Claudio Lamachia — Sim, esta é a linha da OAB, conforme decisão unânime de seu Órgão Especial. Basicamente, existe uma tabela de honorários estabelecendo limites mínimos e máximos para patrocínio de ações trabalhistas. Tais limites podem ser atingidos com a soma de honorários contratuais e honorários de AJ (assistência judiciária gratuita). Neste caso, o trabalhador será beneficiado por não ter que arcar com a íntegra dos honorários contratuais, visto que na composição do acerto da verba honorária haverá a inclusão dos honorários de AJ, o que representará uma vantagem para o demandante.

ConJur – Isso nunca deu margem a reclamações contra sindicatos ou advogados na OAB, por eventuais discordâncias ou abusos?

Claudio Lamachia — A OAB é uma entidade com mais de 80 anos de existência. É claro que discussões acerca de valores de honorários já foram objeto de representações e estas, quando foi o caso, resultaram em condenação administrativa. No entanto, o que estamos tratando atualmente diz respeito a uma situação que a OAB não entende como ilícita ou irregular. Qual seja, a soma de honorários contratuais com honorários de AJ para atingir percentuais admitidos pela tabela de honorários da classe. A reclamação que importa, no momento, é outra: é a formulada pela própria OAB frente à intromissão da Justiça do Trabalho em pactuações de natureza civil, entre profissionais liberais e clientes, o que, nunca é demais repetir, constitui matéria de alçada da Justiça estadual.

ConJur – Em ambas as notas, fica patente que alguns juízes do Trabalho não concordam com a prática e têm se insurgido contra ela. Entendem que o advogado não pode cobrar honorários de alguém que não tem condições de pagar sequer as custas ou perícias no processo, já que beneficiário da assistência judiciária gratuita (Lei 5.584/1970). Como o trabalhador ainda é considerado um hipossuficiente, essa situação não colocaria o juiz num dilema moral, já que ele tem a prerrogativa de criar uma fração destes honorários?

Claudio Lamachia — Não temos dúvida a respeito de dois aspectos: primeiro, a prática é lícita, desde que a soma dos honorários contratuais e de AJ não ultrapasse os limites definidos pela OAB. Segundo, isso não é matéria sujeita a exame da Justiça do Trabalho, à luz da Constituição Federal vigente e dos termos da Emenda Constitucional 45, de 2004. Por outro lado, o fato de o trabalhador ser hipossuficiente não o dispensa de uma série de despesas, como, por exemplo, contribuições fiscais e contribuições previdenciárias, que revertem para órgãos estatais. O fundamento disso é o mesmo que autoriza o pagamento de parte dos honorários de seu advogado; ou seja, o fato de ter havido um ganho pecuniário em decorrência de uma ação. Dizer que juiz fica diante de um dilema moral pelo fato de serem deferidos honorários a outro trabalhador, que é o advogado, constitui um paradoxo, pois, curiosamente, esse dilema não surge, por exemplo, no momento de determinar o desconto de Imposto de Renda do trabalhador hipossuficiente, em favor da União; ou o desconto das contribuições previdenciárias em favor do INSS. Como se vê, a hipossuficiência não afasta uma série de obrigações pecuniárias do trabalhador vencedor na ação. Por que razão esta mesma hipossuficiência – atenuada pelo ganho pecuniário na ação – deveria ser motivo para que o advogado não perceba a justa retribuição pelo seu trabalho?

ConJur – Avançando mais um pouco nesta linha: até onde pode ir o juiz do Trabalho em sua prerrogativa de influir nos honorários, sem que caia em ilegalidades ou se imiscua indevidamente numa relação de particulares? Além do Estatuto do Advogado, que princípio constitucional ou normativo estaria ferindo?

Claudio Lamachia — A questão é bem objetiva: o juiz do Trabalho não pode interferir em contratos civis entre profissionais liberais e seus clientes. Em o fazendo, incide, sim, em ilegalidade. A extinção de um contrato entre particulares, quando não verse tal contrato acerca de uma relação de emprego é, em regra, matéria para apreciação da justiça civil, quando devidamente provocada. Do contrário, o julgador estará ferindo a norma constitucional, em diversos de seus dispositivos. Poderíamos citar, desde já, os direitos constitucionais de liberdade — em especial os previstos no artigo 5º da Constituição Federal –, bem como as regras de competência determinadas pela Emenda Constitucional 45, como já mencionado.

ConJur —A OAB pensa em tomar uma atitude legal ou correicional contra juízes que se insurgem contra a dupla cobrança?

Claudio Lamachia — Não se trata de dupla cobrança, e sim de uma cobrança única formada por valores que possuem mais de uma procedência — honorários contratuais e de AJ. Existem aspectos legais relativos à intromissão do Judiciário nestas questões e que podem ser suscitados dentro dos próprios processos, por meio de recursos. No entanto, em diversas situações, inexiste esta possibilidade, pela forma como procedem alguns juízes, simplesmente impondo a renúncia de cobrança de honorários contratuais, diante do deferimento de AJ, sob pena de não homologação de acordos. Pior ainda, inserindo-se em tais acordos — como se fosse uma cláusula livremente pactuada — a afirmação de que não serão cobrados honorários contratuais. Nesses casos, inexistem meios ordinários para atacar o procedimento ilícito, razão pela qual a OAB está estudando medidas corretivas que podem ser, algumas dessas, sugeridas na sua pergunta.

ConJur — Desde que a OAB lançou sua nota conclamando os advogados a denunciar interferência nos seus honorários, há um mês, tem ocorrido incidentes em audiências?

Claudio Lamachia — A OAB não foi comunicada de novos incidentes a partir da referida nota.

ConJur — A OAB está acompanhando os movimentos do Ministério Público do Trabalho, que, no início de agosto, pediu aos advogados de Pelotas que se abstenham de cobrar honorários cumulativos? Foi procurada para conversar sobre um Termo de Ajuste de Conduta?

Claudio Lamachia — Vale para o Ministério Público do Trabalho o que já foi dito, acerca do dever de observância de sua competência material, com relação aos juízes. Tais procedimentos deverão ser examinados pela OAB-RS com idênticos critérios com que vem examinando a atuação dos juízes em relação à mesma matéria. A OAB-RS não foi procurada para conversar sobre um Termo de Ajuste de Conduta sobre tal assunto. Mesmo porque, genericamente, não há conduta a ser ajustada, salvo se houver cobrança fora dos limites permitidos pelas regras deontológicas da entidade.

*Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.

Fonte: OAB/RS

Os textos aqui publicados não retratam necessariamente a opinião da entidade, mas a de seus autores.

0 respostas

Deixe uma resposta

Want to join the discussion?
Feel free to contribute!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *